segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

EU SOU UMA MULHER.

     


Eu sou uma mulher que anda por ruas, avenidas, planícies...
cujo corpo, eu posso abandonar em pleno cruzar de uma esquina, ao esperar um semáforo mudar de cor, ao caminhar à beira mar.
Eu sou uma mulher de antenas, você não as pode ver, nem eu, mas sei que existem, pois são elas que me guiam ou mesmo me desvirtuam, mas depois acertam o caminho. 
Eu sou uma mulher que ama a si mesma. 
Eu sou um presente de Deus para mim mesma. 
E esse presente, eu preservo, amo, zelo.

Os meu pés, eu cuido. Hidrato. Massageio. 
As unhas sempre tão lindas! Porque eles são tudo o que tenho para me locomover. Eles me sustentam numa dança ou diante da espera, eles me suportam em tamanha maestria mais que qualquer um poderia fazê-lo. Eles caminham por mim e quando reclamam apenas imploram por leve toque das minhas mãos.

As minhas mãos... Ah, minhas mãos! Tudo o que há de mais belo em mim! Elas tocam peles, cabelos, alimentam. Elas batem, cuidam, acariciam. Elas escrevem cartas de amor ou desamor, assinam destinos, enxugam as minhas lágrimas, percorrem meu corpo, buscam a Deus nas madrugadas. 
As minhas mãos... elas falam, elas são gentis, possuem ar de madame por tão longas, finas, gestuais! Eu as hidrato, eu as banho em águas de rosas. Elas acenam adeus, elas enviam beijos, colhem flores e tiram os espinhos que me furam.
Minhas mãos recusam beijos.

O meu tronco. O meu tronco às vezes se enverga muito, mas sempre me lembro do que passou e o levanto com rapidez e força. 
Eu sou uma mulher que anda por aí, por aqui, de cabeça erguida, alheia aos passantes, absorvida pela vida.
Eu sou uma mulher que ama a si mesma; o meu passo é leve, sem pressa, mas eu não sei achar nada, só tenho certezas ou dúvidas.

Meus braços já não suportam mais tanto peso, mas recebem e se entregam. 
E, nos dias de solidão, eles me abraçam, embalam-me docemente, feito a um bebê e a minha voz surge soprando cantigas quaisquer. 
Os meus braços já quiseram abarcar o mundo, mas hoje aceitam o inevitável e o inquestionável.

Meu sexo me dá prazer, me deu crias, me deu dores, mas acima de tudo é o que carrega a esperança e a certeza de que o amanhã pode amanhecer bem melhor.

Minhas pernas me levam, se entrelaçam em outras pernas, mas principalmente se apertam em mim quando sento e choro, quando me deito e anseio o feto. 
Minhas pernas lembram-se de mãos, recordam pensamentos perdidos na maciez, aqueles minutos que nada dizem, nada dizem. 
Minhas pernas me guiam numa forma que nunca ninguém ousou fazê-lo.

Minha barriga, ah, minha barriga! Quantas vezes cortada? Quantas vezes crescida, inchada, doída? Minha barriga conta minha história que iniciou no umbigo, pariu outros e recebeu toques leves de mãos sedentas. 
Minha barriga possui a fome do mundo e a minha, a fome que comida nenhuma sacia.

Meu olfato, minha audição, minha língua, minha pele, meus vãos... 
amo tudo isso pois é tudo o que realmente possuo. 
Nada mais tenho além do meu corpo, exceto a alma que paira por cima, ao lado, ao redor.

Eu sou uma mulher que anda por aí, por aqui, e outras mulheres olham e admiram ou invejam.
Eu sou uma mulher que caminha com prazer no andar e os homens amadurecidos são sempre tão gentis e me olham com olhos gulosos.
Sabem que existo, imaginam quem sou eu . 
Eu sou uma mulher que os meninos admiram, aguam. 
Eu sou uma mulher que caminha e os mais velhos cumprimentam.
Os tolos assobiam.

Eu sou uma mulher que enxerga muito além do permitido, pois, vejo através da janela do universo. 
E isso me eleva e isso me atira ao chão. 
Eu sou uma mulher que sonha. 
Eu sou uma mulher que tem urgência constante de interpretar cada sonho bem ou mal sonhado, mas que nem sempre consegue.
Sim, sou eu uma bruxa! Aquela que predestina.

Vivo dentro da roda e cheiro a perfume de melancia. 
Eu sou uma mulher completa em si, algumas belezas nem sempre concretas, desvãos, defeitos e segredos, celulite, cicatrizes e manchas, mas que sabe que tudo lhe pertence e a ninguém dá nada, só troca.

Eu sou uma mulher que pode lhe tocar de leve, pedindo colo, ou então, puxar a toalha da mesa, ou o tapete, aquele mais próximo a você, para alcançar o meu objetivo tolo de fazê-lo sentir igual a mim. Porque eu sou uma mulher que não se importa de ouvir verdades. 
Eu sei que todos nós as temos. 
Mas eu passei a vida sonhando com pessoas que rasgassem as minhas fotos, picassem as minhas cartas, gritassem para mim o tanto que estavam magoadas comigo, só para eu ter o direito de me defender, só para eu ter o prazer de ver alguém totalmente despido.

Eu sou uma mulher que anda por todos os cantos, recantos de almas, esconderijos secretos. 
Eu sou uma mulher que já pressentiu a morte várias vezes, mas fez pacto com ela.
Eu sou uma mulher filha de Deus.
Eu sou uma mulher que grita bem alto para que Ele me atenda, mas que também sussurra implorando compaixão.

Eu sou uma mulher que pensa, pensa, 
pensa tanto e ferve tanto e espera tanto e fala tanto e sente tanto que é preciso tempo e vela para se reorganizar, se entender, mas durante anos, quis ser apenas bem centrada, bem controlada e fria, pois eu não queria pensar e não podia sentir.
Descobri que personalidade nasce junto e não há como se desgrudar dela, mas falar, alivia, 
e esperar é um vício bom.

Eu sou uma mulher tão assim assumidamente mulher porque me deram um livro para eu ler, numa língua que eu desconhecia e me deram um tempo curto, muito curto para decorar cada vírgula, cada frase, cada passagem à qual eu passaria.

Eu sou uma mulher que quando morrer será cinza
A cinza de alguma flor.
A flor de alguma cinza.
 Suzana C. Guimarães
(faço minhas, as suas palavras! Leone)