PARA LEONE LACERDA.
DE ALGUEM QUE A AMA.
Meus amigos, 
se durante meu recesso virem por acaso
passar a minha amada peçam silêncio geral. 
Depois apontem para o infinito. 
Ela deve ir como uma sonâmbula, 
envolta numa aura de tristeza, 
pois seus olhos só verão a minha ausência.
Ela deve estar cega de tudo o que seja o meu amor 
(esse indizível amor que vive trancado em mim 
num cárcere mirando empós seu rastro).
Se for a tarde, comprem e desfolhem rosas 
à sua melancólica passagem, 
e se puderem entoem cantus-primus. 
Que cesse totalmente o tráfego 
e silencie as buzinas 
de modo que se ouça longamente o ruído de seus passos. 
Ah, meus amigos, 
ponham as mãos em prece e roguem, 
não importa a que ser ou divindade por que bem
haja a minha grande amada durante o meu recesso, 
pois sua vida é minha vida, 
sua morte a minha morte. 
Sendo possível soltem pombas brancas 
em quantidade suficiente 
para que se faça em torno dela 
a suave penumbra que lhe apraz. 
Se houver por perto um hi-fi, 
coloquem o "Noturno em sí bemol" de Chopin. 
E se porventura ela se puser a chorar, 
oh recolham-lhe as lágrimas em pequenos frascos 
de opalina a me serem mandados regularmente,
pela mala diplomática.
Meus amigos, meus irmãos 
(e todos os que amam a minha poesia), 
se por acaso virem passar a minha amada 
salmodiem versos meus. 
Ela estará sobre uma nuvem 
envolta numa aura de tristeza 
o coração em luz transverberado. 
Ela é aquela que eu não pensava mais possível, 
nascida do meu desespero de não encontrá-la.
Ela é aquela por quem caminham as minhas pernas 
e para quem foram feitos os meus braços, 
ela é aquela que eu amo no meu tempo 
e que amarei na minha eternidade 
- a amada una e impretérita. 
Por isso procedam com discrição mas eficiência: 
que ela não sinta o seu caminho, 
e que este, ademais ofereça a maior segurança. 
Seria sem dúvida de grande acerto 
não se locomovesse ela de todo, 
de maneira a evitar os perigos 
inerentes às leis da gravidade 
e do momentum dos corpos, 
e principalmente aquele devidos à
falibilidade dos reflexos humanos. 
Sim, seria extremamente preferível 
se antivesse ela reclusa em andar térreo 
e intramuros um ambiente azul de paz e música.
Oh, que ela evite sobretudo dirigir à noite
Ah! como ela gosta disto.
e estar sujeita aos imprevistos da loucura dos tempos.
Que ela se proteja, 
a minha amada contra os ales terríveis 
desta ausência com música e equanil. 
Que ela pense, agora e sempre em mim, 
que longe dela 
ando vagando pelos jardins noturnos 
da paixão da melancolia. 
Que ela se defenda, a minha amiga, 
contra tudo   que anda voa, corre e nada; 
e que se lembre que devemos nos encontrar 
e para tanto é preciso que  estejamos  integros 
e acontece que os perigos são maximos 
e o amor de repente de tão grande 
tornou tudo fragil,
extremamente, 
extremamente frágil.
Vinícius De Moraes