domingo, 8 de agosto de 2010

CARTA DO AUSENTE.

PARA LEONE LACERDA.
DE ALGUEM QUE A AMA.


Meus amigos,
se durante meu recesso virem por acaso
passar a minha amada peçam silêncio geral.
Depois apontem para o infinito.
Ela deve ir como uma sonâmbula,
envolta numa aura de tristeza,
pois seus olhos só verão a minha ausência.
Ela deve estar cega de tudo o que seja o meu amor
(esse indizível amor que vive trancado em mim
num cárcere mirando empós seu rastro).
Se for a tarde, comprem e desfolhem rosas
à sua melancólica passagem,
e se puderem entoem cantus-primus.
Que cesse totalmente o tráfego
e silencie as buzinas
de modo que se ouça longamente o ruído de seus passos.
Ah, meus amigos,
ponham as mãos em prece e roguem,
não importa a que ser ou divindade por que bem
haja a minha grande amada durante o meu recesso,
pois sua vida é minha vida,
sua morte a minha morte.
Sendo possível soltem pombas brancas
em quantidade suficiente
para que se faça em torno dela
a suave penumbra que lhe apraz.
Se houver por perto um hi-fi,
coloquem o "Noturno em sí bemol" de Chopin.
E se porventura ela se puser a chorar,
oh recolham-lhe as lágrimas em pequenos frascos
de opalina a me serem mandados regularmente,
pela mala diplomática.
Meus amigos, meus irmãos
(e todos os que amam a minha poesia),
se por acaso virem passar a minha amada
salmodiem versos meus.
Ela estará sobre uma nuvem
envolta numa aura de tristeza
o coração em luz transverberado.
Ela é aquela que eu não pensava mais possível,
nascida do meu desespero de não encontrá-la.
Ela é aquela por quem caminham as minhas pernas
e para quem foram feitos os meus braços,
ela é aquela que eu amo no meu tempo
e que amarei na minha eternidade
- a amada una e impretérita.
Por isso procedam com discrição mas eficiência:
que ela não sinta o seu caminho,
e que este, ademais ofereça a maior segurança.
Seria sem dúvida de grande acerto
não se locomovesse ela de todo,
de maneira a evitar os perigos
inerentes às leis da gravidade
e do momentum dos corpos,
e principalmente aquele devidos à
falibilidade dos reflexos humanos.
Sim, seria extremamente preferível
se antivesse ela reclusa em andar térreo
e intramuros um ambiente azul de paz e música.
Oh, que ela evite sobretudo dirigir à noite
Ah! como ela gosta disto.
e estar sujeita aos imprevistos da loucura dos tempos.
Que ela se proteja,
a minha amada contra os ales terríveis
desta ausência com música e equanil.
Que ela pense, agora e sempre em mim,
que longe dela
ando vagando pelos jardins noturnos
da paixão da melancolia.
Que ela se defenda, a minha amiga,
contra tudo   que anda voa, corre e nada;
e que se lembre que devemos nos encontrar
e para tanto é preciso que  estejamos  integros
e acontece que os perigos são maximos
e o amor de repente de tão grande
tornou tudo fragil,
extremamente,
extremamente frágil.



Vinícius De Moraes

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