terça-feira, 6 de abril de 2010

Vale a pena ler...e tentar entender.




Russell e as Três Causas de Infelicidade

Conhecido principalmente devido às suas investigações lógicas, o pensamento de Bertrand Russell chega a surpreender pela capacidade de roçar o lado menos metafísico da vida sem abdicar do rigor.

Da obra The Conquest of Happiness, a Guimarães Editores colheu três breves (mas extraordinários) ensaios, compilando-os sob o título Três Causas de Infelicidade.

A infelicidade é pensada como incapacidade do Homem para encontrar um significado satisfatório para a sua vida. A concorrer para essa insuficiência, Russell identifica a competição, a inveja e a mania da perseguição.

A competição, quando tomada como principal razão da vida, impede a satisfação porquanto deixa de ser possível apreciar o presente e condena a um perpétuo adiamento do prazer. Não somente o trabalho é envenenado pela filosofia que exalta o espírito de competição, escreve, mas os ócios são na mesma medida. (…) Produz-se fatalmente uma aceleração contínua cujo fim normal são as drogas e a ruína. O remédio, conclui, consiste na aceitação de uma alegria sã e serena como elemento indispensável ao equilíbrio ideal da vida.

A inveja, por seu turno, estando em estreita ligação com o espírito de competição, concorre para a infelicidade porque dificulta a capacidade de se contentar com aquilo que se tem e é. Por um lado, pode ter um efeito positivo, visto que serve de paixão de base ao impulso de combate às desigualdades e injustiças sociais. Russell afirma mesmo que a inveja é a base da democracia. Por outro lado, contudo, o homem invejoso estará sempre insatisfeito porque encontrará sempre alguém que considera estar em posição mais vantajosa – e quando não encontrar ninguém assim, imaginá-lo-á na forma de herói mítico ou divindade. Além do aspecto individual, um sistema social e político apoiado no sentimento de inveja, escreve Russell, a justiça obtida seria a pior possível, quer dizer, consistiria em diminuir os prazeres dos afortunados sem aumentar os dos infortunados.

Mas uma sociedade de invejosos tende a tornar-se uma sociedade fundamentalmente fatigada, pois a inveja é uma forma de vício, em parte moral, em parte intelectual, que consiste em não ver as coisas em si mesmas mas somente em relação a outras. Ora, advoga Russell, uma sociedade ao mesmo tempo invejosa e onde a educação é contrária à auto-estima potencia ainda mais o cansaço, visto que mesmo quando tem razões para se sentir satisfeito consigo mesmo, o indivíduo tende a reprimir essa satisfação, como se tivesse ela algo de culposo.

Russell, escreve, bem entendido, numa geração anterior à nossa, e talvez este sentimento de culpa esteja mais, hoje, em desuso. Suspeito, portanto, que o problema não se suaviza com o desaparecimento da culpa, já que a ela se veio substituir, parece-me, a psicologia do menino mimado, de que falava Ortega y Gasset em a Rebelião das Massas. Mas não deixa de ter razão quando afirma que a soma dos prazeres na vida do homem moderno é incontestavelmente maior do que era nas sociedades primitivas, e que, a par com isso, cresceu a consciência do que poderia ser.

Acrescentando a tudo isto o ingrediente mediático, a inveja transforma-se em motor de preconceito e discriminação grupal, dirigindo-se de formas bem concretas a grupos abstractos, apenas delineados por critérios como a pigmentação da pele, a nacionalidade, o estrato social ou outros.

Combatendo a inveja, conclui Russell, poder-se-ia aceder com mais facilidade à felicidade, e isso poderia ser feito pelo gozo dos prazeres que se nos oferecem, pelo trabalho que tivemos de realizar e evitando comparações com aqueles que imaginamos, talvez sem razão, mais ditosos do que nós.

Quanto à mania da perseguição, nas suas formas mais moderadas, é uma causa de infelicidade que, tal como acontece em relação às outras, pode ser combatida por cada um de nós. Racionalmente, em termos probabilísticos, o número de vezes que uma pessoa é maltratada numa sociedade, não deve, em condições normais, variar significativamente, segundo Russell. É preciso, antes de mais, que cada um investigue quais os elementos deste tipo de mania que o condicionam, pois é completamente impossível ser feliz se nos sentimos maltratados por todos os nossos semelhantes.

Um elemento susceptível de potenciar a mania da perseguição é a desigualdade de apreciações quanto ao que se considera legitimo praticar-se na primeira ou na terceira pessoas. Se é vulgar cada um de nós sucumbir à tentação de, em dado momento, maldizer amigos e conhecidos, como ficar ofendido quando se descobre que outras pessoas possam ter dito mal de nós? Reconhecer que aqueles que amamos têm defeitos deveria exigir o mesmo reconhecimento em relação a nós próprios. O problema é que, porque estando em competição com os outros, ainda que nos envergonhe amarmo-nos a nós mesmos, chega a ser insuportável reconhecer que alguém é mais perfeito do que nós. A nossa educação devia, portanto, promover a auto-estima, sim, mas a auto-estima daquilo que somos efectivamente, com as nossas fragilidades e limites, pois só assim nos abriríamos à compreensão e ao respeito pelo outro. Como isso não acontece, acabamos por tentar superar o sentimento da nossa fragilidade e limitação imputando culpas aos outros, tomando-os como nossos perseguidores.

A mania da perseguição pode também resultar da generalização de casos reais em que um indivíduo foi efectivamente maltratado. Ou ainda da atitude própria de algumas pessoas sempre muito empenhadas em fazer o bem aos outros, sem que estes o queriam realmente. É que, pelo menos em alguns destes casos, esse “bem” é uma forma encapotada de exercer poder sobre os outros, privá-los de algum prazer que podem usufruir sem sanção, e que aquele que quer fazer o bem não pode por algum motivo fruir, o que lhe causa sofrimento. É o que acontece com certos homens do poder que se lamentam da ingratidão do povo – mas que não ponderam se o seu trabalho relevou do interesse público…

Russell apresenta, então, quatro princípios que, a serem tidos em conta, poderão remediar a mania da perseguição: lembrar que nem sempre as nossas motivações são sempre tão altruístas como parecem; não avaliar exageradamente os próprios méritos; não esperar dos outros um interesse por nós tão grande como aquele que temos em relação a nós mesmos; não pensar que a maior parte das pessoas se interessa tanto por nós que nos queira perseguir. O reconhecimento das motivações egoístas pode, assim, ter uma valência positiva, pois permite matizar a nossa visão de nós mesmos e as nossas expectativas em relação aos outros.

Lane Lacerda
que quanto mais sei, (quase) nada sei.
que foi inútil pensar que sabia um pouco mais a cada dia da língua portuguesa, porque vem o governo e ceifa a minha certeza e devolve-me para o banco escolar.
que não basta eu escolher isto ou aquilo e achar que será assim ad eternum...
tudo depende de tantos outros aprendizados e outros tantos quereres.
que a minha idéia de paz é diferente da tua,
e que para muitos o paraíso está na luta,
na guerra sangrenta.
que eu dependo de ti, e também de ninguém
que estou absolutamente só, e acompanhada
que por trás de meu riso sempre está o oposto,
tão cintilante quanto que tu não podes me entender por mais que queiras,
mas que assim mesmo pode e deve me amar,
porque faz bem também para ti
que tudo o que eu toco tem energia,
por isso também me auto-abraço para autorrecargas e medições
que se quiser ver realmente a beleza,
deixe tudo o mais intacto possível,
no seu próprio habitat,
inclusive eu,que posso não ser salva,
até porque talvez não seja o caso
que posso me queimar ou congelar ou permanecer a 36ºC
que todo o dia tenho que dar um salto no escuro,
arriscar,
que o ar e o sangue circulam e que dependem de mim
que o povo do meu país tem medo do terror,
por isso guarda-o embaixo dos próprios lençóis,
acobertando políticos infames,
que a democracia é uma falácia na mão de gente mal intencionada
que o barco tem furo,
mas não só no casco
que eu sofro e gozo com a mesma intensidade
que afundo, mas também sei boiar,
e estou aprendendo a caminhar sobre as águas
que ainda não distingo todos os cheiros, sabores e cores,
mas não desisto
que ainda estou viva e ardo de paixão
que preciso me perder mais vezes,
para me reencontrar...