quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Aos Mestres H.T.P e Patricia Cordeiro



Quando eu era guri de tudo, já meio desmiolado – minha genitora dizia espeloteado – eu sempre me encafifava a cismar, cobrando de mim para comigo mesmo: – O que será que significa exatamente VIVER? Ou, com outras palavras – Caetanear, por que não? – Existir, a que será que se destina?
Logo, sondando o diuturno de minha vida, a rotina de minha mãe entre o tanque, a maternidade e o fogão, concluí, imberbe – inocente, puro e besta como cantou Raul Seixas – que EXISTIR era Comer!
Explico: levantávamos, comida farta. Polenta de milho branco, pão feito em casa, farofa de ovo ou couve-manteiga. Café, leite e bules de chás de ervas caseiras. Isso tudo no mal alvar das manhãs de Itararé.
Mal e mal, lá pelas nove em que o galo auroral já ia ciscar noutra freguesia, quintais e terreiros, e lá estava eu beliscando um naco de cana-de-açúcar, um abacate manteiga, uma goiaba madura entre mandorovás-guardiões, ou mesmo comendo leite com farinha quando não comprava fiado do rueiro vendedor, um popular pirulito premiado.
Às onze, claro, sentia-se nas redondezas por atacado, o tempero do arroz-quirera, o ovo frito, quando o meu nariz captava a hora pelos temperos, frituras, em seguida as mães dos piás rebentos a gritarem, cobrando: -Vem comer, Dito!. Tá na hora do almoço, Nelson. Jeronçaaaaaaa, venha se limpar pra bóia, piá!!!!
Isto posto, almoço lauto, família toda em volta da mesa redonda, de sobremesa uma rapadura, um doce de leite, um doce caseiro feito com arrozina, e, claro, limonada com bicarbonato, quando não uma adorável tubaína de abacaxi ou mesmo tutti-fruti.
Eu era feliz e sabia que era.
Bagunça na rua, peladas, bola de meia, catar coquinhos, brincar de carrinhos de rolemãs ou mesmo ler velhos gibis, e lá era hora do rancho da tarde. Quase três da tardinha. Bolo de fubá, um cuque de coco, quando não bolinho de chuva ou mesmo paçoca de amendoim. Eu era um comilão que só vendo.
Mal a tarde pendurava suas gralhas azuis no delongo do rio da prata, corguinho rente a minha casa de tabuinha, entre cigarras, grilos e pererecas, meu pai abria o portão de nossa casa, punha o acordeão vermelho e, sentado numa cadeira de palha, solava mantras, blues, banzos e outras tristices. Era o aperitivo pra janta reforçada.
Sopa de fubá com couve rasgada. Ou um arroz com feijão mais picadinho. Batatas com carne moída, ou, boi ralado, como brincávamos de dizer. Meu pai tomava chimarrão. No meu porongo ele punha um pedaço de rapadura de laranja. Delicia.
Íamos pra igreja, ou, o melhor do ágape, ouvir rádio – Rádio Mairink Veiga do Rio de Janeiro (à bença, Dona Saudade!) – ou mesmo brincar nas quebradas, entre um céu estrelado, uma lua caipira (a lua vem de Itararé), mais os pios noturnos na descalça e cor-de-rosa rua 24 de Outubro, Vila São Vicente, de uma Itararé dos tempos da onça, em que e amarravam cachorros com lingüiça.
De qualquer modo, lá pelas nove ou nove e meia da noite, um novo café com pão, manteiga não (banha de porco), bule cheio, café torrado e feito na hora, depois era um se assear pra pegar no sono, ouvindo de longe o soar do trem chamado Noturno que ia e vinha, em nossa cidade de divisa, bem na rabeira de São Paulo com o vizinho verdejante estado do Paraná.
Mal e mal na casa dos sete pra oito anos, o Grupo Escolar Tomé Teixeira. Foi lá que começou tudo. Ali, confesso, mesmo gostando de estudar e já ler um pouco (em meses depois escrevia minhas primeiras trovas pueris); mesmo meu pai passando a cinta se não déssemos no couro nas primeiras letras da escola de gabarito (e boas notas, claro), ficar sentado quatro horas era muito incômodo e chato. E toma cópia, soma, ditado, leitura. Estudar era maçante, confesso.
O que compensava era a peculiar ternura da professora Dona Jocelina (eu sempre fui muito manteiga derretida), depois Dona Nancy, pelas quais eu era mesmo tremendamente apaixonado. E elas eram caprichosas. E me descobriram nos primeiros chuleios de versos e sensoriedades precoces. Com faniquitos. Aí caprichei de aprontar novos pensares.
Pois mudei o favo do enfoque: Então viver era estudar? Aí, entrando, claro, no verbo, ler, escrever, pensar e sentir a escada pro alto que é a escola. Pois fui na vazão. Estudar era o sentido da vida. Até hoje, confesso, matutando sobre o destino de todos nós, de onde viemos, para onde vamos, quem somos, configuro como esteio dessas minhas conjecturas, que Existir é mesmo um laboratório de vivências.
Viver é aprender. A grande viagem da lição de existir, é evoluir aprendendo.
Estamos aqui somando elos, perdendo burrezas pegajentas, tornando-nos afinados. Também acho que a vida é um grande baile, para o qual fomos convidados a participar. Você vai dançar ou ficar aí parado, enquanto a música toca, todo mundo roda, todos cantam e sorriem?
Você vai ler, escrever, estudar, pesquisar, enquanto um ou outro mané fica sentado vendo a banda passar, passando em brancas nuvens pela vida, perdendo o sentido da viagem. A vida é isso: Uns dão o show. Outros aplaudem. Ou nem isso.
Aí vem a canção: É impossível ser feliz sozinho. João Gilberto. Bossa Nova. No entanto, discordo aqui e ali, pois, confesso, ser poeta é a minha maneira de ser sozinho. E um poeta não precisa de solidão para ser sozinho. Sou sozinho de mim mesmo. E então escrevo um mundo paralelo, o mundo-sombra, as coisas e acontecências que meu lado sentidor traduzem em palavras. E vivo pelo meu sonho, minha lenda pessoal. Embasado de estudos, cursos, trocas, vivências. Lições.
Para sobreviver, fazer o quê?. Larguei de ser chefe de escritório jurídico e fui dar aulas. Adorei. Tornei-me o tiofessor de escolas particulares e públicas, lecionando de história a ética, de geografia a cidadania. Procurando ser um bom referencial, nessa atual falta de Deus, de família, de amor.
Não sou um professor ardido ou infeliz, destemperado ou chato. Adoro dar aulas, me realizo, e tento tornar aquela aula comum mais alegre, cantando raps, citando letras de Lennon a Renato Russo, compondo blues, contando causos, colocando o lado humanus do aluno no foco daquilo que, regendo um ou outro conteúdo, pretendo passar com experiência, ajudando-o a pensar, produzindo conhecimento, formando cidadãos, inclusive no imediatismo social de seu próprio habitat às vezes muito precário.
Consigo. Eles captam. Abrem seus corações. E as mentes também, claro, daí o fito didático-pedagógico. E entro no mundo deles. E colho solidões. Déficits afetivos, famílias desestruturadas. Sociedade capenga ao derredor. Falta de amor. E um consumismo aterrador.
Passo-lhes as minhas lições de vidas. Bolo historias em quadrimhos sobre a natureza, aonde o ser Humano (o aluno) é o que vale, daí humanizando a paisagem, compreendendo a partir de então, mapas, relevos, valores, tamanhos, espaços, paisagens, ambientes, tudo o que o cerca. Vivências.
E vejo que, como eu fugia da realidade triste (infância pobre) na poesia, muitos carentes fogem nos aprendizados da escola às vezes também carente. Sonhando mudar o meio de tantos contrastes sociais. Passam dias sozinhos em casa. Pais mortos, presos ou não declarados. Mães santas carregando o baque de lutas de sol a sol. E alguns especiais, sozinhos, fechados, entre livros, escrevendo, depondo, relatando. Depoimentos. Eu só fui um mero Inspirador. Fiz minha parte. Valeu? Torno-os meus alunos-filhos. Eles gostam.
Quando chego ficam algo assustados com a aula diferente do usual e rotineiro. Então isso é Geografia? Quando vou para outra escola me escrevem, falam de saudades. Mas acham um louco que plantou canteiros de sonhos nos labirintos solitários da vidas deles, entre cortiços e mansões, favelas e palácios, becos e marginais, guetos e periferias entregues ao deus-dará nesses tempos bicudos de novas esperanças teimando expectativas de justiças e pagamentos de seculares dívidas sociais.
Eu acredito. Eles acreditam. Sozinhos ou em grupos, com visão ético-plural-comunitária podemos mudar o mundo. E devemos. Afinal, eles, os alunos-filhos, é que serão os advogados, os médicos, os astronautas, os cantores de rocks, os poetas, os cronistas de amanhã.
Ou os catadores de latinhas, dizem eles, esperançosos, se aplicando nos estudos. E, confessemos, queremos ter uma bela participação futura, mesmo como doces memórias revisitadas, num Brasil para todos os brasileiros, não para os ricos ficarem mais ricos, e continuarem as gangues palacianas e as máfias do nosso nefasto capitalhordismo mamando nas tetas dos podres poderes.
Sonhar pode? Então eu não sou o único, como disse Lennon. Ainda bem. Outros chegarão. Junte-se a nós.
O sonho acabou, mas eu, sozinho ou não, faço a minha parte, reconstruindo-o, cheio de esperança. Para, também, um dia, quando for bem velhinho, olhar para trás e ter a consciência do dever cumprido. E tentar com isso, ter um crédito divinal no Banco Novo Mundo.
Para onde só vamos com o passaporte do primeiro mandamento-salmo, amando o nosso próximo como se a nós mesmos.
Afinal, já dizia William Shakespeare: “Depois de algum tempo, você aprende/Que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido/O mundo não pára para que você o conserte./Aprende que o tempo não é algo que possa voltar atrás./Portanto, plante seu jardim e decore sua alma/Em vez de esperar que alguém lhe traga flores

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