domingo, 7 de fevereiro de 2010

ESTE TEXTO É PARA LANE E RARA.É ASSIM QUE ELAS VIVEM.

PARA FRANCISCO

De como eu me perdi da minha velhice.

Você vai fazer dois anos.
E eu não quero voltar no tempo, filho.
O meu olhar é para frente porque ali está você.
O meu olhar é para mim, porque eu me vejo em você e cresço de novo.
Aprendo com a sensação de quem ensina.
Eu agora observo ônibus nas ruas.
Se são azuis, verdes ou vermelhos.
Se são amarelos, grandes ou pequenos.
E me permito definir coisas primárias.
Aquele é um caminhão branco, aquele é um ventilador, aquele não, é um lustre.
A estrela brilha, a formiga anda, o gatinho mia e, ouve só, é um helicóptero voando.
O avião também voa.
E o bem-te-vi, que lindo.
O mico, não. Vive lá no alto, mas desce pra comer banana da sua mão.
Parece que eu nunca tinha pensado nessas coisas.
A borboleta também não se lembra que já foi lagarta.
E voa.
Diante do sentido primeiro das coisas, daquele de que me perdi, conto histórias de objetos e já não temo suas razões cruas, seus sem sentidos e despoesias.
Todo dia saio procurando para você um mundo com mais significado.
E encontro.
O seu olhar não é de estranhamento.
Por que o meu deveria ser?
O seu olhar é de encantamento e acende o meu.
Luzinha é sempre de Natal.
Não ouso discordar: que a vida seja Natal.
Sua fala é nota musical, gosto, re-pe-ti-ção.
E em mim vou desenterrando histórias, artimanhas, saídas engraçadas.
Invento, se for preciso.
O tigre que come verduras, o leão que é educado, os amiguinhos inanimados que têm cada um o seu nome e, todos, merecem beijos e abraços de carinho. Principalmente os que têm pelos.
Não é mais o trânsito.
São os ônibus vermelhos, amarelos, verdes, azuis.
São as árvores, a estrela, o anjo, a lua, a florzinha, o ventilador, a nuvem, o menino.
É o trânsito e o céu.
O em volta, ao lado, todo.
Não é mais repetição: é descoberta.
Às vezes me perco nas não-escolhas e me agarro a elas, atrasando o seu passo.
Você volta e me pega pela mão.
E no caminho tudo volta a ser novo.
A cada manhã você des-cobre os meus olhos.
Tira deles o que me embaçava a vista e coloca no meu colo, mais uma vez, uma paisagem fresca.
Você vai completar dois anos, filho.
E eu me sinto com muitos anos a menos.

Cristiana Guerra.

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