terça-feira, 22 de março de 2011


As palavras são boas.

As palavras são más.

As palavras ofendem.

As palavras pedem desculpas.
As palavras queimam.

As palavras acariciam.
As palavras são dadas, trocadas, oferecidas,
vendidas e inventadas.

As palavras estão ausentes.
Algumas palavras sugam-nos, não nos largam...
As palavras aconselham, sugerem, insinuam,
ordenam, impõem, segregam, eliminam.

São melífluas ou azedas.

O mundo gira sobre palavras lubrificadas
com óleo de paciência.

Os cérebros estão cheios de palavras que vivem em boa paz com as suas
contrárias e inimigas.

Por isso as pessoas fazem o contrário do que pensam,

julgando pensar o que fazem.

Há muitas palavras.
E há osdiscursos, que são palavras encostadas
umas às outras, em equilíbrio instável graças
a uma precária sintaxe, até ao prego final do
Disse ou Tenho dito.

Com discursos se comemora,
se inaugura, se abrem e fecham sessões, se
lançam cortinas de fumo ou dispõem bambinelas
de veludo.

São brindes, orações, palestras e conferências.

Pelos discursos se transmitem louvores, agradecimentos, programas e fantasias.

E depois as palavras dos discursos aparecem deitadas
em papéis, são pintadas de tinta de impressão - e por
essa via entram na imortalidade do Verbo.

E as palavras escorrem tão fluidas como o
"precioso líquido".

Escorrem interminavelmente,
alagam o chão, sobem aos joelhos,
chegam à cintura, aos ombros, ao pescoço.
É o dilúvio universal, um coro desafinado
que jorra de milhões de bocas.

A terra segue o seu caminho envolta num clamor de loucos,

aos gritos,aos uivos, envoltos também num murmúrio manso,
represo e conciliador...

E tudo isso atordoa as estrelas e perturba as comunicações,

como as tempestades solares.

Porque as palavras deixaram de comunicar.
Cada palavra é dita para que se não ouça outra
palavra.

A palavra, mesmo quando não afirma, afirma-se.

A palavra não responde nem pergunta: amassa.

A palavra é a erva fresca e verde que cobre os dentes do pântano.

A palavra é poeira nos olhos e olhos furados.

A palavra não mostra.
A palavra disfarça.

Daí que seja urgente moldar as palavras para que a sementeira se mude em
seara.

Daí que as palavras sejam instrumento
de morte - ou de salvação.

Daí que a palavra só valha
o que valer o silêncio do ato.

Há também o silêncio.
O silêncio, por definição, é o que não se ouve.
O silêncio escuta, examina, observa, pesa e analisa.
O silêncio é fecundo. O silêncio é a terra negra e fértil,
o húmus do ser, a melodia calada sob a luz solar.
Caem sobre ele as palavras. Todas as palavras.
As palavras boas e as más.

O trigo e o joio.
Mas só o trigo dá pão.

José Saramago.

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